O arsênio é um elemento químico que pode ser empregado de diversas formas, mas que também conta com efeitos nocivos para os seres humanos. Por isso, neste artigo, vamos desvendar a toxicologia do arsênio e tudo que envolve esta substância. Confira!
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Índice
ToggleHistória do arsênio
Desde a pré-história, os homens utilizavam venenos extraídos de animais e plantas para caçar, guerrear e assassinar. Os gregos empregavam a cicuta como toxina para executar e envenenar pessoas. Já, no restante da Europa, desde o Império Romano até a Idade Média, o veneno empregado era o arsênio – o rei dos venenos.
As formas minerais de arsênio já eram conhecidas no século IV a.C., mas a descoberta do elemento em 1250 está associada ao alemão Albertus Magnus. Paracelso, conhecido como o Pai da Toxicologia Moderna, descreveu as instruções de preparações a base de arsênio metálico no final da Idade Média.
Já Dioscorides, médico grego da corte do imperador romano Nero, relatou o emprego de arsênio. Ele descrevia que o composto apresentava propriedades ideais para a finalidade de envenenar, pois era incolor, inodoro e, quando misturado em alimentos e bebidas, não tinha sabor, além de estar presente na natureza, o que o tornava facilmente disponível para todos.
Os sintomas do envenenamento por arsênico eram difíceis de detectar, já que podiam imitar o envenenamento alimentar e outros distúrbios comuns. Não havia dúvida sobre a eficácia do arsênico como uma dose única e grande, o que provocava cólicas abdominais violentas, diarreia e vômito, geralmente seguidos de morte por choque.
O arsênio também podia ser administrado cronicamente, em pequenas doses diárias. Assim, produzia um quadro de intoxicação mais brando e difícil de ser detectado, como perda de força, confusão e paralisia.
O mais potente dos venenos era o chamado arsênio branco – trióxido de arsênio (As2O3). A dose fatal era conhecida por ser uma quantidade equivalente em tamanho a uma ervilha.
Acqua Toffana
Na política, se tornou muito comum o emprego de veneno, principalmente no período renascentista na Itália. Há registros em Florença que descrevem o nome das vítimas, os preços, contratos, datas e pagamentos referente aos serviços de envenenamento.
Uma das mais famosas envenenadoras na época do Renascimento, por exemplo, era chamada de madame Toffana, que fabricava a Acqua Toffana, que produzia cosméticos a base de arsênio para mulheres empregarem em homens /maridos ricos da sociedade.
Teste de detecção do arsênio
A partir do século XVIII, a incidência de envenenamentos começou a diminuir à medida que surgiam métodos aprimorados para detectá-los em fluidos e excrementos corporais.
Em 1836, um químico inglês chamado James Marsh aperfeiçoou um teste químico sensível e específico para o arsênio e os envenenadores tiveram pouca esperança de escapar à detecção.
Mas, mesmo quando o uso do arsênio diminuiu, certas aplicações comerciais foram encontradas e várias formas se tornaram comuns no mercado. Há relatos do emprego de cosmético contendo arsênio durante o século XX.
Usos altruístas do arsênio
Além de ser empregado como veneno, os compostos de arsênio começaram a ser utilizados na agricultura como ingredientes em inseticidas, venenos de ratos, herbicidas e conservantes de madeira, além de pigmentos em tintas, papel de parede e cerâmica.
Embora os usos agrícolas tenham sido reconhecidos posteriormente como não ecologicamente corretos, especialmente quando na forma dos populares sprays de arseniato de chumbo usados contra larvas da mariposa cigana e do gorgulho, eles estavam entre os mais eficazes de seu tempo.
Mesmo antes de essas aplicações serem amplamente empregadas, no entanto, o mais altruísta de todos os usos do arsênico havia sido lançado.
Por volta de 1900, em Frankfurt, na Alemanha, um farmacologista chamado Paul Ehrlich ficou preocupado com a natureza venenosa do arsênio. Ehrlich, no entanto, estava convencido de que o potencial tóxico do arsênio poderia ser aproveitado terapeuticamente como tratamento para doenças como a sífilis.
Após sua pesquisa, o Salvarsan se tornou o primeiro medicamento seguro o suficiente para ser administrado aos seres humanos e ser verdadeiramente eficaz contra as bactérias espiroquetas que causam sífilis. Ele só foi substituído depois da descoberta da penicilina.
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Toxicologia do arsênio e seu uso como arma química
O potencial perigoso da toxicologia do arsênio o fez ser utilizado também como arma química. A levisita (clorovinildicloroarsina), arma química sintetizada no início do século 20, a base de arsênio, é absorvida pela via cutânea e pela via respiratória e, em contato com a pele, induz a formação de bolhas.
A levisita é similar a ação do gás mostarda. Entretanto, sua ação tóxica e o desenvolvimento dos sintomas ocorrem, rapidamente, poucos minutos após a exposição.
Ouça nosso podcast: Toxicologia Das Armas Químicas – Agentes Incapacitantes
Informações de identificação do arsênio
Depois de uma breve apresentação da história e dos usos do elemento, antes de entrar nos aspectos da toxicologia do arsênio, vamos conhecer melhor a substância:
- Nome químico: Arsênio – do latim arsenium
- Fórmula molecular: As
- Massa atômica: 74,92
- Número CAS: 7440-38-2
Aspecto e forma
A palavra arsênio tem origem da palavra persa Zarnikh, traduzida para o grego arsenikon.
O arsênio existe nas formas trivalente e pentavalente e é amplamente distribuído na natureza. O trivalente inorgânico mais comum compostos de arsênico são trióxido de arsênico e arsenito de sódio, enquanto compostos inorgânicos pentavalentes comuns são arseniato de sódio, pentóxido de arsênico e ácido arsênico.
As indústrias militares empregam o óxido de fenilarsina e as levisitas As+3 e As+5.
O arsênio apresenta três estados alotrópicos:
- cinza metálico (forma α) é a forma mais estável nas condições normais e tem estrutura romboédrica;
- amarelo (forma γ) é obtido quando o vapor de arsênio é esfriado rapidamente. É extremamente volátil e mais reativo que o arsênio metálico e apresenta fosforescência à temperatura ambiente. Também se denomina arsênio amarelo o mineral trissulfeto de arsênio.
- Uma terceira forma alotrópica, o arsênio negro (forma β) possui estrutura hexagonal.
É um elemento químico essencial para os organismos, mesmo que muitos compostos de arsênio apresentem elevada toxicidade.
Principais aplicações do arsênio
- Lavouras, como fungicida e herbicida, (arseniato Pb, Ca), desfolhante (ácido cacodílico).
- Produção de cerâmica, vidro e de pigmentos, semicondutores (arsenito de gálio);
- Mineração: de cobre, zinco e chumbo;
- Ligas metálicas, com o cobre, zinco, chumbo etc;
- Sínteses químicas (arsina);
- Conservante de couro e madeira (arseniato de cobre e crômio);
- Dissulfeto de arsênio é empregado como pigmento e em pirotécnica;
- Trióxido de arsênio é empregado como descolorante na fabricação do vidro;
- Pode ser utilizado para conservação de fósseis;
- Mais recentemente, o trióxido de arsênio tem se mostrado interessante para tratar pessoas com leucemia.
Toxicologia do arsênio: toxicocinética no nosso organismo
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Vias de absorção
A absorção dos arsenicais pouco hidrossolúveis como o As2O3 depende do estado físico do composto. O material em pó grosseiro é menos tóxico, porque pode ser eliminado nas fezes antes de sua dissolução.
Os sais de arsenito são mais solúveis em água e melhor absorvidos do que o óxido. O arsênico inorgânico é bem absorvido (80% a 90%) do trato gastrointestinal, distribuído por todo o corpo, muitas vezes biotransformados por metilação e depois eliminados principalmente na urina.
Compostos de arsênio de baixa solubilidade (por exemplo, trióxido de arsênico, seleneto de arsênico, arseneto de chumbo e gálio arseneto) são menos absorvidos pela via oral.
A pele é uma importante via de exposição ocupacional para o arsênio, já que tem absorção sistêmica. Há relatos de trabalhadores expostos ao arsênio inorgânico por contato dérmico que apresentaram efeitos tóxicos
O arsênio pode ser absorvido também via inalatória, em grande parte na sua forma trivalente, e pode ser depositado nas vias aéreas ou pelos pulmões, a depender do tamanho e do formato das partículas.
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Distribuição do arsênio pelo organismo
A distribuição do arsênio depende da duração da administração e do composto arsenical específico envolvido. O elemento é armazenado principalmente no fígado, nos rins, coração e nos pulmões. Quantidades significativas menores são encontradas nos músculos e tecidos nervosos.
Em virtude do teor elevado de grupos sulfidrílicos na queratina, as concentrações mais altas de arsênico são observadas no cabelo e nas unhas.
A deposição nos cabelos começa em 2 semanas após a administração e o arsênio pode ficar armazenado nessas estruturas durante anos. O arsênio também pode ficar depositado nos dentes e ossos por longos períodos.
Esse metal atravessa facilmente a placenta e existem casos descritos de lesão fetal. As concentrações de arsênio no sangue do cordão umbilical dos fetos humanos são equivalentes aos níveis detectados na circulação materna.
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Eliminação do arsênio do nosso organismo
O arsênio é eliminado por diversas vias (por exemplo, fezes, urina, suor, leite, cabelo, pele e pulmões), embora, nos seres humanos, a maior parte seja eliminada na urina.
A meia-vida de eliminação urinária do arsênico é de 3 a 5 dias. Nos seres humanos, os teores urinários dos metabólitos são de 10% a 30% de arsênio inorgânico, 10% a 20% de monometilasenico e 60% a 80% de dimetilarsenito. A formação de metabólitos arsênicas monometilícos ou dimetílicos trivalentes favorece a excreção biliar em vez da renal. A meia-vida biológica dos arsênicos metilados está no intervalo de 30 horas.
O arsênio tem uma predileção pela pele e é eliminado por descamação da pele e em suor, principalmente durante períodos de transpiração abundante. Também concentra na formação de unhas e cabelos ligados a queratinas.
A exposição ao arsênio pode produzir faixas brancas transversais características nas unhas (Linha de Mees), que aparecem cerca de 6 semanas a 2 meses após o aparecimento de sintomas de toxicidade.
A presença nas unhas e cabelos tem sido usada como biomarcador da toxicologia do arsênio para exposição, incluindo exposições atuais e passadas. Enquanto isso, no sangue e urina, o arsênio é um bom indicador da exposição atual.
Toxicidade do arsênio
O potencial de toxicologia do arsênio provoca diversos efeitos tóxicos em nosso organismo. Veja os principais:
Agudos
- Alterações gastrintestinais: náuseas, vômitos, dores epigástricas, desconforto, diarreias (intensa até sanguinolentas).
- Irritação das mucosas do esôfago, estômago e intestino.
- Ingestão de grandes doses (70 a 180 mg) de inorgânico pode ser fatal.
Os principais sintomas são: febre, anorexia, hepatomegalia, melanose, arritmia cardíaca e, em casos fatais, insuficiência cardíaca terminal.
A ingestão aguda de arsênico pode danificar as membranas mucosas do trato gastrointestinal, causando irritação, formação de vesículas e até descamação.
Perda sensorial no sistema nervoso periférico é o efeito neurológico mais comum, aparecendo de 1 a 2 semanas após grandes doses e consistindo em degeneração dos axônios, uma condição reversível se a exposição for interrompida.
Anemia e leucopenia, particularmente granulocitopenia, podem ocorrer alguns dias após a exposição a altas doses de arsênico e são reversíveis.
Infusão intravenosa de arsênio em doses clínicas no tratamento da leucemia promielocítica aguda pode ser significativamente ou até fatalmente tóxico em pacientes suscetíveis. E algumas mortes foram relatadas.
Exposição aguda a uma dose única elevada pode produzir encefalopatia, com sinais e sintomas dor de cabeça, letargia, confusão mental, alucinações, convulsões, e até coma.
Gás arsina, gerado por redução eletrolítica ou metálica de arsênico na produção de metais não-ferrosos, é um potente agente hemolítico, produzindo sintomas agudos de náusea, vômito, falta de ar, e dor de cabeça que acompanha a reação hemolítica.
Crônico
A pele é um órgão-alvo importante nos processos inorgânicos crônicos de exposição à toxicologia do arsênio. Nos seres humanos, a exposição crônica ao arsênio induz uma série de alterações características no epitélio da pele, como hiperpigmentação manchada e, alternativamente, hipopigmentação pode aparecer pela primeira vez entre 6 meses e 3 anos com exposição crônica ao arsênio inorgânico.
Hiperqueratose palmar-plantar geralmente segue o aparecimento inicial de arsênio induzindo a muda de pigmentação..
Câncer de pele, que se apresenta como carcinoma escamoso in situ, é comum em pacientes expostos a elevados níveis de exposição crônica a arsênio.
A exposição crônica ao arsênio pode provocar:
- Sistema cardiovascular: lesão vascular periférica;
- Sistema nervoso: neurotoxicidade; polineuropatias (irreversível) alteração sensorial, parestesia, fraqueza muscular;
- Sistema hematopoiético: leucopenia (arsina – hemolítica);
- Pele: hiperqueratose, hiperpigmentação;
- Sistema respiratório: irritação (perfuração do septo nasal), traqueobronquite, fibrose intersticial difusa;
- Arsênio é carcinogênico (pulmonar), teratogênico e mutagênico.
A IARC (Agência Internacional de Pesquisa em Câncer) classifica o arsênio e os compostos inorgânicos de arsênio como grupo 1 – Carcinogênico para humanos.
Ouça o podcast: Higiene Ocupacional – Riscos Químicos
Controle biológico da exposição ao arsênio no Brasil
- Monitorização ambiental
NR 15 – LT: 0,04 mg/m3 (Arsina (arsenamina)
ACGIH: 0,01 mg/m³
ACGIH: Grupo A1 = Carcinogênico para humanos (câncer pulmonar)
- Monitorização biológica
IBMP: 50 μg/g creatinina
VR: até 10 μg/g creatinina (urina)
BEI (ACGIH): Arsênio inorgânico – metabólitos na urina 35 μg As/L (final da jornada de trabalho).
Tratamento contra os efeitos da toxicologia do arsênio
Em casos de envenenamento agudo por arsênio, o tratamento é estabelecido de acordo com o quadro clínico e sintomático e requer uma atenção especial para a reposição e suporte de volume de fluidos para controle da pressão arterial.
Alguns quelantes são empregados para que seja realizada a remoção do arsênio do corpo humano, como por exemplo:
- BAL (British Anti-Lewisite) é um dimercaprol, administrado via intramuscular e pode ser eficiente se usado minutos após a exposição.
- Efeitos colaterais passageiros do BAL: irritação da pele, hipertensão, taquicardia e impressão de constrição no peito.
- DMSA (ácido meso-2,3-dimercaptosuccínico) e o DMPS (ácido 2,3-dimercapto-1-propanossulfônico) análogos ao BAL solúveis em água, menos tóxicos que o dimercaprol e administrados por via oral.
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Camilla, gostei muito de seu artigo! Auxiliou-me na compreensão de minha história e escritos de mim para o Mestrado e revisão dos estudos indianos em Ayurveda, a Sabedoria da Vida!
Com especial gratidão e em divina amizade!
Muito obrigada Kelly! Ficamos felizes!
Super agradeço, suas contribuições e apoio científico!
A história vem confirmando que VIVER é um Perigo! E todo cuidado ainda é pouco para a preservação das VidaS!
KellyCrist:
Abraço e sucesso
Oi Camila, parabéns pelo artigo, realmente muito informativo e bem completo. Tenho uma dúvida a respeito do assunto e talvez você possa me ajudar. Faço mergulhos frequentes em uma lagoa que possui alguns dutos com pirita e alguns dos moradores locais dizem que existe relatos de intoxicação por arsênio devido a pirita que existe na água. Isso procede?
Muitíssimo obrigado e mais uma vez, parabéns pelo artigo.
Leandro
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